Um de meus objetivos para este ano é completar minha lista
de longas vencedores do Academy Award de melhor filme. Segundo minhas contas
(obrigado especial a minha lista no IMDB), faltam 29 títulos. Ou 28. A
diferença ocorre graças à premiação feita na primeira entrega de prêmios, em
1929. A Academia criou dos prêmios diferentes: Outstanding Picture (que seria entregue ao filme com melhor
história) e Unique and Artistic
Production (entregue ao filme mais completo). Enquanto Wings levou o Oscar pela primeira categoria citada, Sunrise: A Song of Two Humans (Aurora, no Brasil) levou o
prêmio de produção. E ai começa a discussão. Considerar Sunrise como ganhador
do Oscar de melhor filme ou não? Cada crítico tem sua opinião. Os que acham que
não, que Sunrise não pode ser considerado como vencedor do Oscar de melhor
filme, geralmente citam a decisão tomada pela Academia em 1930, quando Louis B. Mayer decidiu dar apenas o prêmio
para melhor filme e deixou de lado o prêmio para produção, citando que Wings havia recebido o prêmio máximo no
ano anterior. Quem considera Sunrise merecedor do prêmio argumenta que as
cédulas de votação distribuídas para os membros votantes em 1929 não
diferenciava ou dava importância maior para uma ou outra categoria. Em todo
caso, vou considerar a opinião de Ebert, Gene Siskel e Roeper. Sunrise divide
as honras de 1929 com Wings. Fim da discussão. Esse é o filme que vi hoje e vou
avaliar aqui.
Vamos lá. Quer fazer um filme agora? Pegue seu iPhone, tablet,
celular. Fácil e rápido. Em 1929, as câmeras de cinema eram verdadeiros trambolhos.
Gravar uma tomada exigia paciência e cuidado. Os gastos com edição eram muito
altos. Como este é meu primeiro review de um filme mudo neste blog, quero
escrever um pouco sobre métodos de avaliação. Como classificar um filme deste
tipo? Anos atrás assisti a um episódio bem antigo do programa At the Movies onde um espectador
perguntava quais eram os critérios que Siskel utilizava para dizer que um filme
mudo era bom ou ruim. O apresentador ficou meio sem jeito, e elaborou uma
complexa resposta, onde citava que o conhecimento do contexto histórico do
período, das técnicas de filmagem, das formas de casting e das tendências da época deviam ser analisadas com muito
cuidado antes de avaliar X ou Y.
É muito difícil você dar um filme como Sunrise para uma pessoa
que não é fã de cinema e perguntar se ela gostou do que viu. O que pra nós hoje
pode parecer uma história sem sal, em 1929 era divulgada como “a mais bela
história de amor de nossos tempos”. Após o estouro de The Artist (2011), muita gente passou a pesquisar mais sobre o
cinema mudo, mas pelo que acompanho nas boards
(IMDB e reddit), dizer que Chaplin é a única coisa boa daquela época é um
crime!
Peter Bogdanovich diz que 1927 foi o melhor ano da história
de Hollywood. Ora, se os filmes mudos estavam ganhando superproduções
(comprovado com Sunrise), os irmãos Warner acabavam de produzir The Jazz Singer, primeiro filme falado
da história. Enquanto Wings
emocionava o público, Josef von Sternberg dirigia Underworld, primeiro grande filme de gangsters que influenciou o
famoso triunvirato do crime (Little
Caesar, The Public Enemy e Scarface – assim que acabar a correria
do Academy Awards deste ano vou fazer um post sobre este assunto).
![]() |
"O homem" enfrentando a tentação |
Segundo reza a lenda (devo dizer que essas fofocas de
Hollywood são ótimas), William Fox ficou impressionado ao assistir Nosferatu,
eine Symphonie des Grauens (1922) e Faust (1926), de F. W. Murnau. Com a ideia
de levar o expressionismo alemão para os Estados Unidos, Fox deu um cheque em
branco para Murnau fazer uma produção com tudo o que tinha direito. E o alemão
abusou. Gastou mais de 200 mil dólares para criar uma cidade que foi mostrada
em menos de três minutos de filme (e naquela época ninguém era capaz de fazer
tamanho investimento. 200 mil equivale a mais de dois milhões e meio de dólares
com o ajuste de inflação). Não falei do trambolho à toa. Se vocês notarem, na
maioria dos filmes mudos a câmera é presa ao chão. Isto acontecia pois os
equipamentos eram pesados, o que impossibilitava o operador de caminhar com o
equipamento, por exemplo. Fox contratou Charles Rosher, o cara que mais
entendia sobre operações de vídeo naquela época para tentar mexer a câmera em
algumas tomadas sem causar o “efeito tremedeira”. Apesar de não conseguir utilizar
a técnica durante todo filme, podemos notar algumas tentativas de movimento,
especialmente na cena em que o casal anda pela cidade.
Okay, vamos falar da história. Ela é muito simples: um homem
(George O'Brien) vivia uma vida feliz com sua mulher (Janet Gaynor), até que
uma mulher da cidade (Margaret Livingston) tenta fazer o possível para engatar
um relacionamento com o rapaz e fazer com que ele venda sua propriedade. Não
quero avançar muito no plot pois
existe um twist que dá ares
dramáticos a história.
O cinema mudo apostava muito na expressão facial. Em
Sunrise, elas são elemento chave para entender o turbilhão de sentimentos que
se passa na cabeça do homem. Ficar com sua mulher ou ir para a cidade com sua
amante? Atuações impecáveis. Outra coisa que me chamou atenção foi as
transições de cena. Justamente pelo fato da mobilidade do cinema mudo ser quase
impossível, o diretor tentou suavizar isto com cortes e transposições de imagem
muito suaves e agradáveis. Não é uma coisa brusca. Para ficar claro: ao invés
de cortar do rosto do homem para o rosto de sua mulher, por exemplo, o diretor
buscou harmonizar, cortando do rosto do homem para o mar, e então para o de sua
amada. O resultado é ótimo.
Falei sobre algumas revoluções do cinema no ano de 1927.
Quase ia me esquecer de citar outra: Sunrise foi o primeiro filme a utilizar a
tecnologia Movietone sound system. Apesar
de o filme ser mudo, alguns efeitos de áudio foram gravados, como as músicas de
uma orquestra e as risadas das pessoas em uma festa. A tecnologia de Fox só não
ganhou mais espaço, pois o Vitaphone dos irmaõs Warner virou o queridinho de
Hollywood.
Sunrise pode parecer simples, mas é um filme muito
ambicioso. O drama disfarçado de romance e com uma pitada de suspense foi um
dos grandes filmes da década de 1920.
NOTA: 9/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário